sexta-feira, 5 de julho de 2013

Perder-se, para encontrar-se...

"Ser mãe me transformou irremediavelmente, sem chance de fuga: com minhas filhas recém-nascidas, eu vi morrer a pessoa que tinha sido até então para não voltar mais. E em lugar dela, eu ainda não sabia o que viria. Durante muito tempo – anos, na verdade – vivi num limbo no qual já não era possível ser o que eu havia sido até então, mas o que eu seria dali por diante ainda não havia se construído inteiramente, era processo, era caminhada. Uma caminhada às vezes bem solitária, sem garantias do que quer que fosse.

Era como se tudo o que eu havia sido, desejado, pensado, acreditado e planejado antes de parir minhas meninas tivesse sido de repente varrido do meu mapa, eliminado da face da terra sem que eu tivesse o que lhe colocar no lugar, a não ser um emaranhado de coisas desconhecidas e até um pouco assustadoras, que eu tateava desastrada e ansiosamente, na ânsia de compreender quem eu seria dali por diante.Quando recebemos um filho no mundo, abrindo-lhe os braços para que nos ensine e transforme tanto quanto possa, vemos subitamente questionadas todas as nossas certezas anteriores, tão bem cultivadas anos a fio: de uma hora para a outra, não sabemos mais quem somos, o que queremos, o que esperamos da vida, no que acreditamos. Tudo precisa ser reconstruído, redescoberto. É o plantio de uma coisa totalmente nova. Um renascimento.

Oito anos depois, consigo ainda recordar muito bem esse sentimento: olhar ao redor, e não reconhecer mais coisa alguma. Ver-me abandonada diante de algo inteiramente desconhecido. Vista desta forma, a maternidade é até certo ponto uma experiência de morte: faz parte da entrega deixar que o que fomos até ali morra, para dar lugar a uma outra coisa. Morremos quem éramos, para ser quem seremos. Quando nasce um filho, nasce não apenas uma mãe, mas um ser inteiramente novo. E este nascer dói, como dói o ar que infla os pulmões do bebê no primeiro sopro de vida. Para eles, é apenas um segundo – para nós, pode durar meses, anos, quase uma vida.

(...)

Nestes anos de maternidade, eu fiz uma revolução. Só minha, pessoal. Uma revolução feita de amadurecimento, de valentia, de alegrias e dores, de perdas e conquistas. E se eu não tivesse dado à luz minhas meninas, há oito e quatro anos, eu certamente não estaria aqui, não desta forma. Não seria essa pessoa que eu sou hoje, que olho no espelho e gosto de ser, e reconheço como alguém mais inteiro e verdadeiro diante de si e do mundo.

Se eu pudesse voltar no tempo, teria algo importante a dizer à Renata de oito anos atrás, aquela menina um pouco assustada com tamanhas reviravoltas lhe transformando a vida. Eis o que eu lhe diria com voz doce e palavras sussurradas ao pé do ouvido, com amor e delicadeza: ‘tenha paciência. não há de ser fácil. vai haver dor. será preciso desapegar, deixar ir, permitir que as coisas se percam, morram, digam adeus. mas lembre-se: as coisas morrem para dar lugar a outras, para permitir recomeços. Então, tenha coragem. entregue-se, permita se diluir. será esta talvez a experiência mais libertadora da sua vida: permitir perder-se, para encontrar-se’."
(Renata Penna)

Via http://vilamamifera.com/mamiferas/perder-se-para-encontrar-se/